EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE DECLARAÇÃO DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS C/C TUTELA ANTECIPADA – PRELIMINAR DE ILEGITIMIDADE PASSIVA – AFASTADA – MÉRITO – CESSÃO DE CRÉDITO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO CEDIDO – ART. 290, DO CÓDIGO CIVIL – INSCRIÇÃO INDEVIDA DO NOME DO DEVEDOR NOS CADASTROS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – DANOS MORAIS – REQUISITOS PRESENTES – VERBA INDENIZATÓRIA MANTIDA – IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 385, DO STJ – VERBA HONORÁRIA – QUANTUM RAZOÁVEL – JUROS DE MORA – TERMO INICIAL – PROLAÇÃO DO DECISUM – PREQUESTIONAMENTO – DESNECESSIDADE DE MANIFESTAÇÃO EXPRESSA DO ACÓRDÃO SOBRE OS DISPOSITIVOS LEGAIS E CONSTITUCIONAIS DEBATIDOS – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO. Para que ocorra a legitimidade ad causam, deve haver um vínculo entre os sujeitos da demanda (autor e réu) e a situação jurídica afirmada, que lhes autorize a gerir o processo em que esta será discutida. Ou seja, para que o autor seja parte legítima é fundamental que haja uma ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo, enquanto ao réu é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor. Assim, há legitimidade de quem procede a inscrição do nome da autora nos cadastros de restrição ao crédito. Na cessão de crédito há um negócio jurídico no qual o credor (cedente) transfere a outrem (cessionário) o seu direito. Há a substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se, porém, os demais elementos do contrato, inclusive, atinente àquilo que ele tem de receber do devedor (cedido), a quem não é cabível intervir no negócio. Todavia, este merece ser informado da realização do negócio para saber a quem deverá dirigir-se para efetuar o pagamento, a teor do artigo 209, do Código Civil. Tendo em vista que o devedor não foi notificado da cessão de crédito realizada, indevida, portanto, a inserção do seu nome no órgão de proteção ao crédito pela empresa cessionária, fato que acarreta o dever de indenizar o dano moral, independentemente de prova da lesão. A quantificação do dano deve considerar os critérios da razoabilidade, ponderando-se as condições econômicas do ofendido e do ofensor, o grau da ofensa e suas conseqüências, tudo na tentativa de evitar a impunidade dos ofensores, bem como o enriquecimento sem causa do ofendido. Se o valor da indenização a título de danos morais foi fixado em quantia certa, o termo inicial para a incidência dos juros de mora é o da prolação da decisão, porquanto somente daí o devedor passou a incidir em mora. Em se tratando de ação condenatória cujo pedido fora julgado procedente, os honorários advocatícios devem ser fixados nos termos do artigo 20, § 3º, do CPC. Assim, se o julgador observou tais requisitos, não há que se falar em redução do percentual arbitrado. Se a questão já foi suficientemente debatida, é desnecessária a manifestação expressa do acórdão sobre dispositivos legais.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os juízes da Terceira Turma Cível do Tribunal de Justiça, na conformidade da ata de julgamentos e das notas taquigráficas, por unanimidade, rejeitar a preliminar e, no mérito, dar parcial provimento ao recurso, nos termos do voto do relator.
Campo Grande, 21 de junho de 2011.
Des. Oswaldo Rodrigues de Melo – Relator
RELATÓRIO
O Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo
ATLÂNTICO – FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, irresignada com a sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação de declaração de inexistência de relação jurídica e débito c/c indenização por danos morais c/c tutela antecipada ajuizada por CARLOS EDUARDO DE ANDRADE E SILVA, interpõe recurso de apelação (f. 143-164), objetivando a sua reforma.
Alega que tornou-se titular do crédito devido pela apelada por força de um contrato de cessão de crédito celebrado com a empresa Brasil Telecom.
Esclarece que caso o débito do contrato tenha origem fraudulenta, quem deverá arcar com eventuais ônus é a Brasil Telecom que foi quem contratou com a apelada.
Menciona que o feito deve ser extinto sem julgamento de mérito, em razão da sua ilegitimidade passiva, devendo ser responsabilizada, exclusivamente, a empresa cedente.
No mérito, aduz que “resta claro que o contrato de prestação de serviços de telefonia foi firmado entre a parte Apelada e a empresa cedente, assim, não há que falar em relação de consumo entre a parte Apelada e a Apelante.” (f. 148)
Sustenta que inexiste qualquer comprovação de prejuízos suportados pela apelada capazes de ensejar o pagamento de indenização a título de danos morais, pois não houve indicação de forma clara e precisa na inicial, qual o suposto dano e quais os prejuízos sofridos.
Afirma que, em que pese haja a negativação do nome da apelada, há a necessidade de existência de prova do constrangimento e abalo de seu crédito, pois o dano hipotético não é indenizável.
Salienta que o quantum indenizatório deve ser fixado do modo mais razoável possível, evitando-se que a indenização constitua fonte de enriquecimento sem causa, bem como, observando-se as peculiaridades do caso, a situação fática, a repercussão moral e a condição econômica das partes.
Segue alegando que o termo inicial de incidência de juros de mora e correção monetária deve ser a partir do arbitramento do quantum devido.
Debate-se, ainda, pela redução do percentual de 15% sobre o valor da condenação arbitrado a título de honorários advocatícios.
Prequestiona a matéria de direito exposta.
Remata pedindo o conhecimento e o provimento do recurso para acolher a preliminar de ilegitimidade passiva ou, ainda, em reformando a sentença: declarar a inexistência de dano moral. Alternativamente, pleiteia a diminuição do quantum indenizatório, que os consectários legais incidam a partir do arbitramento e que os honorários advocatícios sejam minorados.
Intimado, o recorrido apresentou contra-razões às f. 193-206.
VOTO
O Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo (Relator)
ATLÂNTICO – FUNDO DE INVESTIMENTO EM DIREITOS CREDITÓRIOS NÃO PADRONIZADOS, irresignada com a sentença que julgou procedente o pedido formulado na ação de declaração de inexistência de relação jurídica e débito c/c indenização por danos morais c/c tutela antecipada ajuizada por CARLOS EDUARDO DE ANDRADE E SILVA, interpõe recurso de apelação (f. 143-164), objetivando a sua reforma.
Alega que tornou-se titular do crédito devido pela apelada por força de um contrato de cessão de crédito celebrado com a empresa Brasil Telecom.
Esclarece que caso o débito do contrato tenha origem fraudulenta, quem deverá arcar com eventuais ônus é a Brasil Telecom que foi quem contratou com a apelada.
Menciona que o feito deve ser extinto sem julgamento de mérito, em razão da sua ilegitimidade passiva, devendo ser responsabilizada, exclusivamente, a empresa cedente.
No mérito, aduz que “resta claro que o contrato de prestação de serviços de telefonia foi firmado entre a parte Apelada e a empresa cedente, assim, não há que falar em relação de consumo entre a parte Apelada e a Apelante.” (f. 148)
Sustenta que inexiste qualquer comprovação de prejuízos suportados pela apelada capazes de ensejar o pagamento de indenização a título de danos morais, pois não houve indicação de forma clara e precisa na inicial, qual o suposto dano e quais os prejuízos sofridos.
Afirma que, em que pese haja a negativação do nome da apelada, há a necessidade de existência de prova do constrangimento e abalo de seu crédito, pois o dano hipotético não é indenizável.
Salienta que o quantum indenizatório deve ser fixado do modo mais razoável possível, evitando-se que a indenização constitua fonte de enriquecimento sem causa, bem como, observando-se as peculiaridades do caso, a situação fática, a repercussão moral e a condição econômica das partes.
Segue alegando que o termo inicial de incidência de juros de mora e correção monetária deve ser a partir do arbitramento do quantum devido.
Debate-se, ainda, pela redução do percentual de 15% sobre o valor da condenação arbitrado a título de honorários advocatícios.
Prequestiona a matéria de direito exposta.
Remata pedindo o conhecimento e o provimento do recurso para acolher a preliminar de ilegitimidade passiva ou, ainda, em reformando a sentença: declarar a inexistência de dano moral. Alternativamente, pleiteia a diminuição do quantum indenizatório, que os consectários legais incidam a partir do arbitramento e que os honorários advocatícios sejam minorados.
Por ordem de prejudicialidade, inicio pela preliminar de ilegitimidade passiva aventada pela recorrente.
Da ilegitimidade passiva ad causam.
Sabe-se bem que a tutela jurisdicional não pode ser alcançada mediante qualquer manifestação de vontade perante o órgão judicante, sendo de fundamental importância que sejam observados os requisitos de estabelecimento e desenvolvimento válidos da relação processual.
No entanto, para que o processo seja eficaz, apto a atingir a finalidade buscada pela parte, não basta tão-somente a simples validade da relação processual regularmente estabelecida entre os interessados e o juiz, fazendo-se mister que a lide seja deduzida em juízo com observância de alguns requisitos básicos denominados de condições da ação.
Conforme leciona Giuseppe Chiovenda:
“(...) as condições da ação são as condições necessárias a que o juiz declare existente e atue a vontade concreta de lei invocada pelo autor, vale dizer, as condições necessárias para obter um pronunciamento favorável.” (Instituições de Direito Processual Civil. 2 ed., vol. I, Campinas: Bookseller, 2000, p. 89.)
Deve-se anotar, ainda, a lição do nunca assaz citado Nelson Nery Júnior e Rosa Maria Andrade Nery, que sustentam ser o mérito (pedido), via de regra, a última questão a ser examinada pelo juiz, tanto do ponto de vista lógico quanto do cronológico, devendo, preliminarmente, o juiz examinar as questões preliminares, que dizem respeito ao próprio direito de ação (condições da ação) e à existência e regularidade da relação jurídica processual (pressupostos processuais). [1]
Dessa forma, o exame do pedido depende da análise das condições da ação que, presentes ou ausentes, possibilitam ou impedem o seu exame, haja vista que a ausência de uma ou mais das condições da ação implica a ocorrência do fenômeno da carência da ação, ficando o juiz impedido de examinar o mérito e, por conseguinte, devendo extinguir o processo sem resolução do mérito, nos termos do artigo 267, IV, do CPC.
São três as condições que permitem a regular admissibilidade da ação, quais sejam, interesse de agir, possibilidade jurídica do pedido e legitimidade das partes.
Para que o autor e o réu sejam partes legítimas é fundamental que, quanto ao primeiro, haja uma ligação entre ele e o objeto do direito afirmado em juízo, ou seja, em princípio deve ser titular da situação jurídica afirmada em juízo, conforme disposto no artigo 6º, do CPC, enquanto que ao réu é preciso que exista relação de sujeição diante da pretensão do autor.
Logo, como regra, parte legítima para exercer o direito de ação é aquele que se afirma titular de determinado direito que precisa da tutela jurisdicional, como aquele a quem caiba a observância do dever correlato àquele hipotético direito, ou seja, são os titulares dos interesses em conflito.
Merece destaque o escólio de Cândido Rangel Dinamarco:
“Legitimidade ad causam é qualidade para estar em juízo, como demandante ou demandado, em relação a determinado conflito trazido ao exame do juiz. Ela depende sempre de uma necessária relação entre o sujeito e a causa e traduz-se na relevância que o resultado desta virá a ter sobre sua esfera de direitos, seja para favorecê-la ou para restringi-la. Sempre que a procedência de uma demanda seja apta a melhorar o patrimônio ou a vida do autor, ele será parte legitima; sempre que ela for apta a atuar sobre a vida ou patrimônio do réu, também esse será parte legítima. Daí conceituar-se essa condição como relação de legítima adequação entre o sujeito e a causa.” (Instituições de Direito Processual Civil. 4 ed., vol. II, São Paulo: RT, 2004, p. 306.)
Em que pese as assertivas deduzidas nas razões recursais da requerida, verifica-se nos autos que esta realizou com a empresa Brasil Telecom uma Cessão de Crédito, ou seja, um negócio jurídico que, na lição de Arnaldo Rizzardo, “opera-se com substituição do titular do direito ou do crédito, ou da pessoa obrigada. Há uma relação vinculando duas pessoas em torno de uma obrigação, e procedendo-se a transferência de um dos polos, com o aparecimento de novo titular.” (Direito das Obrigações. 2ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 251.)
Aliás, conforme o documento de f. 19 dos autos, foi a empresa recorrente quem providenciou a inclusão do nome da recorrida nos órgãos de proteção ao crédito, motivo pelo qual é forçoso reconhecer a sua legitimidade para figurar no pólo passivo do feito.
Logo, afasto a prejudicial.
Mérito
A vexata quaestio da presente demanda cinge-se em saber se é possível a condenação da recorrente ao pagamento de indenização por danos morais ante a ausência de notificação da autora recorrida da cessão de crédito realizada com a empresa Brasil Telecom e, com isso, indevida a inserção do seu nome junto aos cadastros de inadimplentes referente a um débito proveniente de serviços telefônicos.
Ora, tenho que não assiste razão à recorrente, uma vez que a sentença objurgada deve ser mantida in totum por seus próprios fundamentos.
No caso dos autos, depreende-se que a empresa recorrente é cessionária da empresa Brasil Telecom, tendo recebido o crédito referente a dívida da parte autora cedida, ora recorrido, proveniente de faturas de serviços telefônicos.
Tendo em vista que houve a transmissão de créditos e de débitos e, até mesmo, da posição contratual, a empresa recorrente providenciou o registro do nome do apelado nos cadastros de Serviço de Proteção ao Crédito – SPC –, conforme f. 19 dos autos.
Diante disso, o recorrido ingressou em juízo com a presente demanda pugnando pela declaração de inexistência de relação jurídica e de débito junto à recorrente, bem como o recebimento de indenização por danos morais provenientes da negativação do seu nome realizada de forma indevida.
O magistrado a quo, às f. 136-139 dos autos, julgou procedente o pedido do recorrido para declarar a inexistência de relação jurídica entre as partes, relativamente ao objeto de cessão, tendo em vista que a parte autora comprovou o pagamento das supostas dívidas inadimplidas, tendo condenado a apelante ao pagamento de indenização por danos morais no importe R$ 10.900,00 (dez mil e novecentos reais).
Pois bem. Como é cediço, a cessão de crédito é uma modalidade de transmissão de obrigações, de créditos, de dívidas e de posição jurídica de qualquer dos contratantes, sendo fenômeno de grande relevância prática nas transações comerciais, regulamentado a partir do artigo 286 do Código Civil Brasileiro.
Ou seja, na cessão de crédito há um negócio jurídico no qual o credor (cedente) transfere a outrem (cessionário) o seu direito. Há a substituição do credor originário por outra pessoa, mantendo-se, porém, os demais elementos do contrato. Trata-se, portanto, de uma transferência de créditos, no qual abarcam direitos e obrigações, ou toda a relação jurídica estabelecida. No negócio, há o ingresso da posição do credor, atinente àquilo que ele tem de receber do devedor (cedido), a quem não é cabível intervir no negócio.
Todavia, o cedido, merece ser informado da realização do negócio para saber a quem deverá dirigir-se para efetuar o pagamento, evitando que satisfaça a obrigação para o credor anterior, cedente.
Esta regra está prevista no artigo 290 do Código Civil, que assim dispõe:
“Art. 290. A cessão do crédito não tem eficácia em relação ao devedor, senão quando a este notificada; mas por notificado se tem o devedor que, em escrito público ou particular, se declarou ciente da cessão feita.” (grifei)
Ao comentar referida regra, Arnaldo Rizzardo esclarece que:
“O dispositivo não enseja maiores dúvidas. Todavia, esclarece-se que o ato público (escritura pública) da cessão não dispensa a medida de comunicação documentada, necessária, justificava Mário Júlio de Almeida Costa, para “atribuir eficácia quanto a terceiros”.” (Op cit. p. 264.)
É imperioso destacar também a lição de Hamid Charaf Bdni Jr. sobre esse assunto:
“Embora seja terceiro em relação à cessão, que se aperfeiçoa sem seu consentimento, o certo é que a eficácia do negócio em relação ao devedor depende de sua notificação, ou de que declare conhecê-la em instrumento público ou particular, ainda que não elaborado com esse objetivo específico, pois a lei não faz tal exigência. Na maioria dos casos, a cessão de crédito pode ser celebrada sem forma solene, mas em sede doutrinária foi discutido se ela se aperfeiçoa sem a notificação do devedor. (...) A legislação em vigor deixou evidente que apenas a eficácia da cessão em relação ao devedor dependerá de sua ciência. Tal conclusão se extrai não só do presente artigo, mas também dos arts. 288 e 293, que autorizam o cessionário a exercer atos conservatórios de seu direito independentemente do conhecimento do fato pelo devedor – o que só é possível porque se lhe reconhece o direito independentemente da notificação. O mencionado dispositivo legal destaca que a ciência do cedido deve ser expressa e formal. Pode ser judicial ou não, promovida pelo cedente ou pelo cessionário e, em se tratando de dívida solidária, deve ser feita a todos os co-devedores.” (Código Civil Comentado. Doutrina e Jurisprudência. Barueri: Manole, 2007. p. 198.)
Nesse mesmo sentido, já restou decidido por este Egrégio Tribunal de Justiça, verbis:
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA E/OU DÉBITO C/C INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CESSÃO DE CRÉDITO A EMPRESA DE COBRANÇA NA CADEIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR – ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL – INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO DEVEDOR – MANUTENÇÃO INDEVIDA NOS CADASTROS DO SPC/SERASA – REPERCUSSÃO MORAL – RESPONSABILIDADE OBJETIVA – NEGLIGÊNCIA E IMPRUDÊCIA CONFIGURADAS – SITUAÇÃO QUE SUPERA O MERO ABORRECIMENTO – ABUSO DE DIREITO – DANO MORAL CONFIGURADO – QUANTUM ARBITRADO CORRETAMENTE – RECURSO IMPROVIDO.
Consoante dispõe o art. 290 do Código Civil, a eficácia da cessão em relação ao devedor requer a sua notificação pelo cedente ou cessionário, que se não providencia, seja extrajudicial ou presumida, a cessão não produz efeito para o devedor.
A inscrição indevida nos cadastros restritivos de crédito não provoca “mero aborrecimento”, mas manifesto abuso de direito, ao arrepio de qualquer norma legal de prestação de serviço, o que hostiliza a vida privada, o ânimo, a honra e a imagem do consumidor, o que impõe a indenização pelos danos morais sofridos.” (TJMS; Apelação Cível N. 2009.014493-8; QuintaTurma Cível; Relator Des. Luiz Tadeu Barbosa Silva; julgado em 15/10/2009). (grifei)
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – INSCRIÇÃO INDEVIDA NO SPC – CESSÃO DE CRÉDITO – ORIGEM DO DÉBITO NÃO COMPROVADA – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DA CESSÃO DE CRÉDITO – DANOS MORAIS – INSCRIÇÃO DO DEVEDOR POR OUTROS DÉBITOS, CONTEMPORÂNEOS AO DISCUTIDO NOS AUTOS – DANOS MORAIS AFASTADADOS – SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA.
A inércia do credor-cessionário na produção da prova a respeito da origem e da validade do crédito objeto da cessão de crédito, fato jurídico que invoca a fim de lhe ser reconhecido o direito de efetuar a cobrança e se valer dos meios coercitivos para tanto, leva-o à sujeição ao pedido do suposto devedor.
Para fins de eficácia do negócio de cessão de crédito, o devedor deve tomar conhecimento do ato para efetuar o pagamento, mediante notificação, nos termos do art. 290 do Código Civil.
Evidenciado pela prova dos autos que o autor da ação de indenização encontrava-se inscrito no cadastro do SPC por outros registros desabonatórios não há como manter a condenação da ré ao pagamento de danos morais.
Sentença reformada. Recurso da ré parcialmente provido. Recurso do autor julgado prejudicado.” (TJMS; Apelação Cível N. 2010.008826-3; Quarta Turma Cível; Relator Desembargador Dorival Renato Pavan; julgado em 25/05/2010). (grifei)
“APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE RELAÇÃO JURÍDICA CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – CESSÃO DE CRÉDITO A EMPRESA DE COBRANÇA NA CADEIA DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO – AUSÊNCIA DE NOTIFICAÇÃO DO DEVEDOR – ART. 290 DO CÓDIGO CIVIL – INEFICÁCIA EM RELAÇÃO AO DEVEDOR – MANUTENÇÃO INDEVIDA NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – ABUSO DE DIREITO – DANO MORAL CONFIGURADO – REDUÇÃO DO QUANTUM ARBITRADO – RECURSO CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO.
A cessão de crédito é um negócio jurídico que pode ser realizado independentemente da concordância do devedor, exigindo-se, contudo, sua notificação para que tenha eficácia, consoante determina o art. 290 do Código Civil.
A jurisprudência encontra-se consolidada no sentido de ser presumível o dano moral sofrido pelo consumidor que teve seu nome indevidamente inscrito em cadastro de proteção ao crédito.
Ainda que se leve em conta o escopo punitivo e educativo da indenização por danos morais, não se pode admitir que a mencionada indenização atinja um valor excessivo, desconectado, inclusive, da sua função primordial de reparar um dano.
Recurso conhecido e parcialmente provido.” (TJMS; Apelação Cível N. 2007.031973-5; Primeira Turma Cível; Relator Desembargador Sérgio Fernandes Martins; julgado em 17/11/2009). (grifei)
Portanto, inexistindo prova nos autos da notificação judicial, extrajudicial ou presumida do cedido em relação à cessão de crédito realizada pela recorrente-cessionária com a empresa Brasil Telecom-cedida, não há que se falar em eficácia do negócio jurídico em relação àquela e, consequentemente, impossível a inserção do seu nome nos cadastros de restrição ao crédito.
Ademais, in casu, tal qual assentado pelo magistrado sentenciante, o pagamento das prestações pelas quais o nome do apelado foi inserido no cadastro de inadimplentes foi realizado pela parte autora, consoante documentação acostada a inicial. Aliás, sequer houve insurgência expressa do apelante acerca desta questão, o qual limitou-se a se manifestar sobre a cessão de crédito como excludente de sua responsabilidade.
Continuando, como é cediço, com relação aos danos morais, o artigo 186 do Código Civil disciplina que, aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Vale dizer, para que haja dever de indenizar por responsabilidade civil, é necessário o preenchimento de certos requisitos, quais sejam: a) conduta dolosa ou culposa do agente (ação ou omissão); b) relação de causalidade e; c) dano. Contudo, nos casos de responsabilidade objetiva basta a prova do dano e do nexo de causalidade.
In casu, a conduta ilícita do agente, se dá em razão da ausência de notificação do recorrido-cedido, da cessão de crédito ocorrida entre a empresa recorrente-cessionária e a empresa Brasil Telecom-cedente, além da indevida inclusão do nome do autor no rol de inadimplentes, por conta da inclusão de dívida adimplida.
Com efeito, a parte que tem seu nome inscrito indevidamente no cadastro de proteção ao crédito, o suposto inadimplente sofre as mais diversas restrições, que atingem de forma grave não só o seu crédito, mas também sua reputação perante a sociedade.
Portanto, demonstrada a conduta da empresa recorrente em negativar, indevidamente, o nome do apelado, afigura-se latente os requisitos da responsabilidade civil, como visto anteriormente.
Não se pode esquecer, ainda, que o dano indenizável aqui exposto é daqueles denominados dano moral puro, ou seja, a ofensa decorre do simples lançamento indevido do nome do consumidor nos cadastros de inadimplentes, independentemente de comprovação de prejuízo material, dado que a obrigação de reparar o dano nasce com a ofensa a honra subjetiva.
É cediço que a indevida manutenção de uma pessoa nos cadastros de inadimplentes causa vários constrangimentos e a perda da credibilidade pessoal e negocial, tudo com sérios reflexos em sua honra e respeitabilidade, danos estes que, nos casos de inscrição indevida em cadastro oficial, restam provados (f. 19).
Nesse passo, para que esteja caracterizada a responsabilidade civil do ofensor, a parte ofendida não necessita comprovar o efetivo dano moral. Este se opera por força do simples fato da violação. Como já dito, trata-se do dano moral puro. Ocorrido o fato danoso e estando presentes os pressupostos legais que ensejam a responsabilidade civil, exsurge o dever de indenizar.
Com muita clareza, preleciona Carlos Roberto Gonçalves:
“O dano moral, salvo casos especiais, como o de inadimplemento contratual, por exemplo, em que se faz mister a prova da perturbação da esfera anímica do lesado, dispensa prova em concreto, pois se passa no interior da personalidade e existe ‘in re ipsa’. Trata-se de presunção absoluta....”. (Responsabilidade Civil. 7ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 552).
O Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul assim se posicionou, in verbis:
“E M E N T A – APELAÇÃO CÍVEL – AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR DANO MORAL – INSCRIÇÃO DO NOME DO DEVEDOR NOS ÓRGÃOS DE PROTEÇÃO AO CRÉDITO – RESTRIÇÃO INDEVIDA – DÉBITO QUITADO – DANO MORAL PURO QUE INDEPENDE DE PROVA – VALOR DA INDENIZAÇÃO – FIXAÇÃO DE FORMA RAZOAVEL – RECURSO IMPROVIDO.
O dano moral decorrente da inscrição indevida do nome do devedor nos órgãos de proteção ao crédito é presumido, não sendo necessária a produção de prova para sua demonstração.
A indenização por dano moral deve ser fixada pelo julgador segundo os princípios de razoabilidade e proporcionalidade, de modo a evitar a configuração de enriquecimento ilícito, devendo atender sempre à função compensatória ao ofendido e punitiva ao ofensor.” (TJMS - Apelação Cível - Ordinário - N. 2010.039161-0 - Quinta Turma Cível – Rel. Des. Vladimir Abreu da Silva – j. em 7.4.2011)
“Em relação à prova do dano moral, ela se torna desnecessária, pois a lesão em si já demonstra sua existência. É ilógico exigir a demonstração de algo imaterial; daquilo que habita a alma da pessoa. Exigir que o lesado prove seu dano moral equivale a uma sentença de improcedência, no mais das vezes. Faz prova do dano moral o fato que o originou e não do dano propriamente dito, pois este é presumido”. (TJMS. Apelação Cível. Proc. 1000.064522-5. Rel. Des. Hamilton Carli. J. 23.06.2003).
Devida a indenização por danos morais, resta a discussão sobre a sua quantificação.
O nosso ordenamento jurídico não traz parâmetros jurídicos legais para a determinação do quantum a ser fixado a título de dano moral. Cuida-se de questão subjetiva que deve obediência somente aos critérios estabelecidos em jurisprudência e doutrina.
A respeito do tema, Arnaldo Rizzardo cita Carlos Roberto Gonçalves e faz o seguinte balizamento:
“Carlos Roberto Gonçalves aponta os seguintes critérios: ‘a) a condição social, educacional, profissional e econômica do lesado; b) a intensidade de seu sofrimento; c) a situação econômica do ofensor e os benefícios que obteve com o ilícito; d) a intensidade do dolo ou o grau de culpa; e) a gravidade e a repercussão da ofensa; f) as peculiaridades de circunstâncias que envolveram o caso, atendendo-se para o caráter anti-social da conduta lesiva’” (Responsabilidade Civil. 1ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2005. p.270)
São esses os critérios comumente citados pela doutrina e jurisprudência. Portanto a quantificação deve considerar os critérios da razoabilidade, ponderando-se as condições econômicas do ofendido e do ofensor, o grau da ofensa e suas conseqüências, tudo na tentativa de evitar a impunidade dos ofensores, bem como o enriquecimento sem causa do ofendido.
Considerando tais parâmetros, bem como o potencial financeiro da apelante, entendo que a importância fixada em instância singela, qual seja, R$ 10.900,00, não se apresenta excessiva ou desproporcional para compensar os danos morais sofridos pela recorrente.
Quanto ao termo inicial da correção monetária, vislumbro assistir razão à apelante.
Sabe-se bem que os juros de mora incidem a partir do momento em que o devedor ficou em mora. In casu, no que se refere aos danos morais, o valor da indenização foi fixado em quantia certa na sentença. Ou seja, o termo inicial para sua incidência deve ser o da prolação da sentença. A propósito, há precedentes do STJ com esse posicionamento: REsp. 773075/RJ, Rel. Ministro Fernando Gonçalves, DJ 17.10.2005 p. 315; EDcl no REsp. 615939/RJ, Rel. Ministro Castro Filho, DJ 10.10.2005 p. 359.
Logo, o termo inicial dos juros de mora deve ser a data da prolação da sentença.
Ressalte-se que o termo inicial da correção monetária já foi estabelecido como sendo a data da prolação da sentença, de modo que carece de interesse recursal, no ponto, a parte apelante.
Por fim, com relação aos honorários advocatícios de sucumbência, que, segundo a recorrente deveriam ser fixados em percentual mínimo, dadas as características dos autos, entendo que não lhe assiste razão.
É cediço que vige no ordenamento jurídico a regra de que as verbas de sucumbência devem ser suportadas por aquele que sair vencido na demanda. É o que disciplina a primeira parte do artigo 20 do CPC “a sentença condenará o vencido a pagar ao vencedor as despesas que antecipou e os honorários advocatícios”.
Os honorários advocatícios, por se tratar de ação condenatória que tivera seu pedido julgado procedente, devem ser fixados em observância aos limites do artigo 20, § 3º do CPC, ou seja, a verba honorária deverá ser fixada entre os percentuais de 10% e 20% sobre o valor da condenação, salvo cuidando-se de causas de pequeno valor ou de valor inestimável.
No caso em apreço, o magistrado de primeira instância fixou os honorários advocatícios de sucumbência em 15% sobre o valor da condenação, razão pela qual conclui-se que foram observados os critérios objetivos previstos no supracitado dispositivo infraconstitucional (quais sejam, o grau de zelo do profissional, o lugar de prestação do serviço e a natureza e importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço), não se mostrando desarrazoado.
Assim, não merecem ser minorados os honorários advocatícios.
Quanto ao prequestionamento formulado, mister destacar que o juiz não está adstrito à aplicação do direito de acordo com o que pretendem as partes, cabendo-lhe a incidência do brocardo da mihi factum dabo tibi jus. Nesse sentido, adverte Rui Portanova:
“No princípio em estudo está contido o brocardo narra mihi factum, narro tibi ius, que também demonstra bem o quanto de público se encerra no processo e na atividade jurisdicional: do fato dispõem as partes, mas do direito dispõe o Estado-juiz”. (Princípios do Processo Civil, Livraria do Advogado, Editora Porto Alegre, 1995, p. 240)
Assim, se a questão já foi suficientemente debatida, é desnecessária a manifestação expressa do acórdão sobre dispositivos legais, conforme se pode conferir da seguinte ementa, transcrita apenas na parte que interessa:
“O prequestionamento significa o prosseguimento do debate de matéria apreciada na decisão recorrida, não sendo necessária a manifestação expressa do acórdão sobre dispositivos legais” (Embargos de Declaração nº 58.630-5/01, Rel. Des. Atapoã da Costa Feliz, J./12/1998, DJ-MS. 24/02/1999).
A propósito, eis o escólio de Nelson Nery Júnior:
“Para o cabimento dos recursos excepcionais é necessário que a matéria constitucional ou federal que se quer levar aos tribunais superiores tenha sido julgada, não bastando que pudesse tê-lo sido. De outra parte, não há necessidade de constar, expressamente, o artigo da CF ou da lei, na decisão recorrida para que se tenha a matéria como prequestionada. É suficiente, para tanto, que a questão tenha sido efetivamente decidida”. (Aspectos Polêmicos e Atuais dos Recursos Cíveis e de Outras Formas de Impugnação às Decisões Judiciais, São Paulo: RT, 2001, p. 859)
Do dispositivo.
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento parcial, tão- somente, para determinar que os juros de mora incidam a partir da prolação da sentença.
DECISÃO
Como consta na ata, a decisão foi a seguinte:
POR UNANIMIDADE, REJEITARAM A PRELIMINAR E, NO MÉRITO, DERAM PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO, NOS TERMOS DO VOTO DO RELATOR.
Presidência do Exmo. Sr. Des. Fernando Mauro Moreira Marinho.
Relator, o Exmo. Sr. Des. Oswaldo Rodrigues de Melo.
Tomaram parte no julgamento os Exmos. Srs. Desembargadores Oswaldo Rodrigues de Melo, Fernando Mauro Moreira Marinho e Marco André Nogueira Hanson.
Campo Grande, 21 de junho de 2011.
[1] Código de Processo Civil Comentado e Legislação Processual Civil Extravagante em Vigor, 8 ed., São Paulo: RT, 2004, p. 699
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Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BRASIL, TJMS - Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso do Sul. TJMS - Civil e Processo Civil. Ação de declaração de inexistência de relação jurídica e débito c/c indenização por danos morais c/c tutela antecipada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 12 set 2012, 08:24. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/jurisprudências /30932/tjms-civil-e-processo-civil-acao-de-declaracao-de-inexistencia-de-relacao-juridica-e-debito-c-c-indenizacao-por-danos-morais-c-c-tutela-antecipada. Acesso em: 26 nov 2024.
Por: TJSP - Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Por: TRF3 - Tribunal Regional Federal da Terceira Região
Por: TJSC - Tribunal de Justiça de Santa Catarina Brasil
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